Addiamento
(14-4-1928)
Álvaro
de Campos
Meu Autor favorito Fernando Pessoa...
Depois
de àmanhã, sim, só depois de àmanhã...
Levarei
àmanhã a pensar em depois de àmanhã,
E
assim será possível; mas hoje não...
Não,
hoje nada; hoje não posso.
A
persistência confusa da minha subjectividade objectiva,
O
somno da minha vida real, intercalado,
O
cansaço anticipado e infinito,
Um
cansaço de mundos para apanhar um electrico...
Esta
espécie de alma...
Só depois de àmanhã...
Hoje
quero preparar-me,
Quero
preparar-me para pensar àmanhã no dia seguinte...
Elle
é que é decisivo.
Tenho
já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã
é o dia dos planos.
Amanhã
sentar-me-hei á secretária para conquistar o mundo;
Mas
só conquistarei o mundo depois de àmanhã...
Tenho
vontade de chorar,
Tenho
vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não,
não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só
depois de àmanhã...
Quando
era creança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje
só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha
infancia...
Depois
de àmanhã serei outro,
A
minha vida triunphar-se-ha,
Todas
as minhas qualidades reaes de intelligente, lido e práctico
Serão
convocadas por um edital...
Mas
por um edital de àmanhã...
Hoje
quero dormir, redigirei àmanhã...
Por
hoje, qual é o espectaculo que me repetiria a infancia?
Mesmo
para eu comprar os bilhetes àmanhã,
Que
depois de àmanhã é que está bem o espectaculo...
Antes,
não...
Depois
de àmanhã terei a pose publica que àmanhã estudarei.
Depois
de àmanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só
depois de àmanhã...
Tenho
somno como o frio de um cão vadio.
Tenho
muito somno.
Amanhã
te direi as palavras, ou depois de àmanhã...
Sim,
talvez só depois de àmanhã...
O
porvir...
Sim,
o porvir...
(Solução Editora, I, Lisboa, 1929)
Teresa
Rita Lopes, Álvaro de Campos - Livro de Versos. (Edição Crítica).
Lisboa, Editorial Estampa, 3ª ed., 1997.
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